SEGUIDORES

terça-feira, 30 de junho de 2020

HISTÓRIA E MEMÓRIA DE MARIA DE LOURDES MENDES- PARTE 01

Maria de Lourdes Mendes ou Lourdinha do Alberico ou Lourdinha do Gellito nos presenteou com esse texto maravilhoso que além de relatar a sua infância também relata a história de Abaeté.




Meus primeiros anos de vida foram vividos na Santa Casa de Misericordia de Abaeté, serviram para me fortalecer como pessoa, devido as experiências vividas ali. Lembro bem daquela casa, posso desenhá-la por dentro, como posso desenhar os sentimentos de saudade, amor, misericórdia , conforto e alegria que essas recordações trazem ao meu coração. A casa ficava na esquina da Rua Frei Orlando do Av. Barão do Indaia , onde hoje fica a UPA, era um casarão retangular com frente para a Frei Orlando, com um grande anexo nos fundos onde ficava uma grande cozinha e depois um corredor com três quartos grandes, onde a gente morava. Na frente da casa tinha uma pequena escada de degraus mais para a direita do casarão, que entrava para uma sala com um corredor, um quarto à esquerda e quartos à direita, pertencia à Sociedade São Vicente de Paulo cujo patrono São Vicente de Paula , ficava num altar ou no quarto à esquerda ou na sala de entrada quando precisavam do quarto ( hoje a imagem fica na entrada, sala de recepção do Hospital local). A casa era de assoalho de tábuas largas. Meus pais eram enfermeiros minha mãe, jovem idealista, criada na Fazenda Olhos D água há 9 kms de Abaeté alimentava o desejo de trabalhar na saúde, não podia ver ninguém reclamando de alguma dor que queria deitar a pessoa para cuidar dela, minha família é muito voltada para a área de saúde . Na época mais duas tias Fiinha e Luzia trabalhavam na Santa Casa, Fiínha era viúva, enfermeira, morava ali juntamente com sua filha, depois casou e mudou, fazia atendimentos como parteira. Quando meus pais casaram continuaram morando por anos num anexo nos fundos, meu pai era enfermeiro e cuidava da parte mais pesada ( carregar os doentes e etc ) e minha mãe da parte mais delicada da enfermagem. Nos fundos possuía uma grande cozinha , dividia com a copa por um vão aberto e no chão degraus compridos , onde minha irmã e eu sentávamos de manhã. Nossa madrinha Barbica fazia uma mistura de leite com pão e colocava pacientemente nas nossas bocas, os médicos tomavam café na copa e Dr. Edgardo nos dava biscoitos de maisena todas as manhãs. Lembro-me bem de Dr. Amador, pediu minha mãe para ser meu padrinho de batismo e tenho muito orgulho disso, Dr. Avelino era padrinho de batismo de minha irmã, Dr. Maia e Dr. Fernando grandes amigos, anos depois voltaram a trabalhar juntos Dr. Maia no Sindicato Rural de Abaeté e Dr. Fernando no Hospital local. Gostava muito do Dr. Canuto e quando ele voltava prá casa eu pegava no seu dedo mindinho e o levava até o portão dos fundos que é no mesmo lugar de hoje, uma passagem na cerca de madeira. Minha mãe era cheia de compromissos, auxiliava Dr. Canuto nas cirurgias e participava de vários compromissos na Igreja católica, religião tradicional de minha família. Minha irmã e eu passávamos o dia num caixote grande no corredor da Santa Casa. Quando era hora de tomar banho e mamadeira, Dindinha Barbica nos levava para o seu quarto que ficava no corredor e lembro-me do banho, das mamadeiras de leite quentinhas e gostosas e da soneca depois. Quando comecei a caminhar sozinha era curiosa e fugia para o quintal. O necrotério ficava atrás da casa e quase sempre havia velório, naquela época usava-se fazer velórios nas casas, como havia muitas pessoas nas roças, quando morria alguém que morava na roça, ficava no velório até a hora do enterro. Era um chalezinho, que dava para a Av. Barão do Indaiá, uma sala média com uma grande pedra no meio onde colocavam os corpos antes de colocar nos caixões que mandavam fabricar , caixões quase sempre roxos. Observava aquele corpo em cima da pedra fria e muitas pessoas chorando ao redor e ficava tentando entender o que era aquilo, uma pessoa deitada quieta e as outras chorando. Às vezes brincava no jardim, aqueles jardins antigos, entre os canteiros haviam tijolos que foravam o chão, canteiros cheios de flores, passava a manhã brincando no sol. Quando vinha alguma visita na Santa Casa serviam o lanche na grama do quintal debaixo de árvores, era uma delícia, quase sempre com a presença do Frei Mário. No quintal também tinha muitas galinhas que criavam para a despesa e gostava de jogar milho para as galinhas. Tenho até hoje um coxinho que minha mãe comprou para dar água para as galinhas. Na hora do almoço fugia para o isolamento onde ficavam os doentes graves que não podiam entrar em contato com os outros internos. Subia em suas cama e comia nos seus pratos. Naquela época os vírus eram bem menos agressivos. À tarde assistia minha mãe dar banho nas mulheres da enfermaria, que ficava na parte superior da copa. Colocava bacias enormes cheias de agua e ficava vendo admirada aquelas mulheres com peitos grandes. Presenciei também pessoas morrendo, vi uma menina chamada Aparecida de 12 anos morrer. Era uma forte observação de tudo aquilo que acontecia, de certa forma positiva porque como disse minha irmã mais nova Rita sou muito forte para lidar com certas coisas em detrimento dessa experiência. Aos domingos nossa mãe nos vestia com vestidos lindos e engomados, arrumava o cabelo com laços e fitas para ir à missa na Igreja Matriz N. Senhora do Patrocinio, na época o padre Frei Mário subia no púlpito de madeira no meio da igreja e pregava como se quisesse colocar as coisas dentro da cabeça das pessoas, talvez colocar juízo . Brincava também nas casas dos vizinhos do hospital, me lembro muito de uma sra. chamada D. Joana que morava em frente ao hospital, família da Lurdinha da Maria da Joana e também no Posto de Saúde que ficava na esquina no mesmo quarteirão, pois os encarregados do Posto e enfermeiros eram amigos e compadres de meus pais e os chamava de vovô João e vovó Tina, os pais da Maria Rita, mãe do Hendel. Naquela época uma moça solteira ficar grávida, era uma coisa absurda, lembro de uma que ficou que morava perto da Santa Casa, quando passava na rua todos olhavam e comentavam. Naquela casa vivi dias maravilhosos, protegidos por minha família e amigos verdadeiros, foi uma experiência diferente e bacana os primeiros anos de minha vida.

Alguns  comentários sobre o texto:

Lourdinha quem fazia os caixoes era o Kim...Ele morava na Barao do Indaia onde hoje e a casa da Catarina do Eduardo da farmacia.....Estudava no Colegio das Irmas no primeiro ano primario tinha um colega chamado Geraldo Valadares filho Bia Garcia e D.Conceicao que teve tetano proveniente de machucado no pe...Esta crianca morreu aos 7 anos na Santa Casa...Lembro bem que D.Policena Alberto nosda professora nos levou para uma visita ao Geraldo Valadares ...Dias depois ele faleceu....Ficou gravado....(José Eustáquio Andrade)

Adorei saber mais da sua história de infância, querida amiga. Sem dúvida bem diferente da maioria. Tenho a impressão de que essas vivências foram determinantes na formação desse ser humano que tem a caridade e o amor como nortes de vida.
Comecei a entender de onde veio tanto cuidado com o próximo.
Que privilégio ter feito parte da história de sua juventude.... (Bernadete Ribeiro)


Que bela história de vida, Maria De Lourdes Mendes! Parabéns pela narrativa, tão rica de detalhes! Tenho algumas lembranças da Santa Casa, onde ia com minha mãe! Obrigada por esse belo presente!
(Valdenice Gontijo)


Parabéns pelo texto e pela estória de vida! Meus avós maternos moravam em uma casa em frente a Santa Casa (onde foi construído um prédio). Eles se mudaram daqui antes do casamento da minha mãe, nos idos de 1958. Não deve ter sido na mesma época que seus pais moraram lá... Minha mãe conta mtos casos acontecidos na Santa Casa e eu gostaria muito de ver alguma foto, se possível.(Jerusa Castro)

Querida amiga irmã de coração....vc nessa vida viveu uma grande experiência e dificuldades que elevaram sua alma com amor e compaixão pelo próximo. Com certeza sua jornada é feita de paz, amor e sabedoria. Sua história nos inspira a acreditar em algo superior no universo. Obrigado (wagner Túlio Pereira)

E o interessantes é a sua resiliência desde pequena, com a capacidade de ver a vida como é! Sem traumas!
Parabéns!!! Beijo (Marielza Alvares de Andrade)

Nenhum comentário: