Um pouco de mamãe
Maria Alexandrina Arruda das Mercês, Maria das Mercês, Nini... companheira inseparável do meu pai durante 55 anos, esposa dedicada, mãe zelosa, avó compreensiva e amorosa.
Maria Alexandrina Arruda das Mercês, Maria das Mercês, Nini... companheira inseparável do meu pai durante 55 anos, esposa dedicada, mãe zelosa, avó compreensiva e amorosa.
Neta do Nego Arruda e do Juca do capão,
nasceu na fazenda Bom Jardim, numa casa simples e bem pequena. Próximo, bem próximo da casa
passava um córrego de águas límpidas e cujo fundo era calçado de pedras bem
feitas. Na beira desse córrego mamãe e suas irmãs lavavam a roupa embaladas
pela nostalgia e beleza do lugar.
Fogão a lenha, muita simplicidade e até
pouca escola já que ela e toda a irmandade conheceram as primeiras e únicas
letras através de professores contratados para ensinar a leitura que lhe coube
nessa vida. Mamãe entrou em uma escola de verdade pela primeira vez para nos
matricular e sempre teve orgulho da sua vida nunca reclamou do pouco
conhecimento que recebeu.
Sua infância foi vivida na fazenda Bom
Jardim, com pequenos e raros passeios que geralmente eram feitos em carro de
bois e não ultrapassavam a fazenda do tio Ouvídio e da tia Catirina , que ficava
no município da Abadia, hoje Martinho Campos.
Desde cedo aprendeu a cozinhar, lavar a
roupa, cuidar da casa e ser carinhosa e companheira dos mais velhos. Quando
mocinha veio para a cidade aprender o corte e costura com a Carmita e aí pode desfrutar
das coisas boas da vida urbana que tinha circo, cinema, amigas...
Todo ano vovó rezava o terço de Santo
Antônio. Ia gente da cidade e de toda a redondeza principalmente porque depois
tinha pagode dos bons com muita dança, sanfona e viola afinada e ainda havia
uma chance grande de encontrar a alma gêmea.
Tinha muito foguete e vovô escolhia o pau
maior que encontrava na fazenda para levantar o mastro com a imagem do santo
toda enfeitada. A fogueira feita com toras bem grossas clareava em volta de
toda a casa e ainda esquentava as frias noites do mês de junho.
Para o terço era feita muitas guloseimas
como biscoito, bolo e pão que era servido com café, leite adoçado e até licor.
Mas também havia muita cachaça que era saboreada com gosto.
O curral ficava cheio de cavalos e até
mesmo carros de bois pois esses eram os meios de transporte para a estrada que
levava até a fazenda. Mas, algumas pessoas iam a pé, apreciando a lua ou até
brigando com a escuridão e os tropeços que aconteciam na volta para casa.
Vovó fazia muitas promessas e por isso lá
foi realizadas muitas festas religiosas como festa de Nossa Senhora do Rosário e
Folia de Reis além dos terços. E todas regadas a muita comida gostosa e dança.
Já dizia o sábio poeta: “eu era feliz e
não sabia” e havia mesmo muita felicidade apesar do pouco conforto, da cama
rústica com seu colchão de capim ou palha ragada e que muitas vezes dormia mais
pessoas que cabiam nela... dos presentes que nunca ganharam, dos passeios que
pouco aconteceram.
A casa toda tinha apenas quatro cômodos,
sendo uma cozinha com dispensa, uma sala grande e o quarto para abrigar o
casal, os seis filhos e as visitas que recebiam com frequência. Só bem mais
tarde construíram mais dois quartos e que hoje ficaram apenas na lembrança.
Mamãe aprendeu a nadar ainda bem pequena e
ainda mocinha aprendeu a dançar. Mas o que ela aprendeu mesmo foi a fazer
comida gostosa, quitandas, um bom polvilho, rapadura, farinha de mandioca...
Aos domingos não tinha missa na matriz mas
tinha muita visita que acabava sempre num animado truco. Mas também haviam as
idas até a casa do bisa Nego Arruda que ficava bem perto. Além de patriarca ele
era curandeiro famoso na região ministrando purgantes que minha mãe ainda sente
o gosto até hoje, realizava sangrias e curava muita gente na redondeza.
As roupas eram feitas pela tia Mariazinha
que confeccionava lindos vestidos de chita ou de riscados cujo tecidos eram
comprados na casa Andrade, do Sô Manuelzinho e no Valdir Morato. Ou mesmo no
Ângelo Defeo e Casa Moura.
Tia Mariazinha foi acometida de paralisia
infantil e passou a vida toda carregada pelas muletas mas isso não a impediu de
costurar, mexer a tacha de cobre torrando farinha de mandioca, fazendo crochê.
Gostava muito de batom de cor arregalada, rosto coberto de pó de arroz e prever
o futuro principalmente dos parentes e amigos.
Que saudades daquela terra que abrigou
tanta gente querida e cujo chão eu pisei quando criança!!! Ainda lembro com
saudades da casa sempre limpa, da laranjeira que tinha as laranjas mais
gostosas que já vi nesse mundo, da paisagem que ainda guardo na lembrança.
Ai que saudades eu tenho do ar puro do Bom
Jardim, dos anos que não mais podem voltar...
Ai que saudades da terra de toá, do cheiro
bom do lugar, das águas frias que corriam mansamente pelos córregos, dos dias
difíceis que mamãe enfrentava com tanta elegância.
Lugar bonito demais, mas também não importa,
o que vale é que mamãe nasceu aí. Andou pelos caminhos distantes , conheceu os
atalhos e sempre que está saudosa conta histórias do lugar em que nasceu, da
mãe que partiu cedo deixando órfãos seis frutos do seu ventre abençoado por
Deus.
Ah! Recordar é viver pode acreditar, faz
bem para a alma dos apaixonados pela vida, dos amantes da poesia, das pessoas
simples que sabem transformar a parede de barro e o chão batido na mais bela
obra da arquitetura.
Só uma coisa não tem escapatória temos
que ser felizes custe o que custar, cumprir a nossa missão com um largo sorriso
estampado no rosto apesar de todos os espinhos que naturalmente surgem pelo
nosso caminho.
Viva mamãe!